Movimentos Repetitivos
em construção

A história do trabalho repetitivo é tão longa quanto a do próprio trabalho, visto que na agricultura primitiva e no comércio antigo, já existiam tarefas altamente repetitivas. Já em 1713, Ramazzini (apud Kroemer, 1995) atribuiu as L.E.R.s aos movimentos repetitivos das mãos, às posturas corporais contraídas e ao excessivo estresse mental.

Segundo o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS (1993), a principal conseqüência da L.E.R. é a perda da capacidade de realizar movimentos, o que interfere diretamente sobre a condição social e psicológica do indivíduo. Isso se verifica quando a lesão impede temporária ou permanentemente o homem de realizar trabalho, já que este ato passa a ser um elemento de degradação física e emocional.

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A literatura mostra que 61,4% dos pacientes com L.E.R. desenvolvem incapacidade parcial permanente, enquanto que 38,6% apresentam incapacidade temporária (Hoefel, 1995). Prieto et al (1995) também cita a mudança de humor, a irritabilidade, a insônia e o nervosismo, os quais são conseqüências da dor, como fatores que refletem diretamente na vida familiar do portador de L.E.R. Couto (1997), também afirma que a relação custo x benefício de uma empresa sofre déficit, acarretados desde a perda com funcionários afastados devido à L.E.R., até aspectos mais complexos de comprometimento do resultado financeiro da organização.

Dissertação apresentada na Univ.de São Carlos-SP, mostra o papel das atividades ou dos movimentos repetitivos no desenvolvimento ou exacerbação de neuropatias compressivas ou distúrbios não específicos das extremidades, vem sendo relatados por aproximadamente dois séculos atrás. Em 1891, Fritz De Quervain associou a tenossinovite do polegar à atividade de lavar roupas e denominou essa patologia como "entorse das lavadeiras" (Assunção, 1995).

O que é a L.E.R. ?

L.E.R. = Lesões por Esforços Repetitivos. Browne et al (apud Assunção, 1995) definiram esta terminologia como: "doenças músculo-tendinosas dos membros superiores, ombros e pescoço, causadas pela sobrecarga de um grupo muscular particular, devido ao uso repetitivo ou pela manutenção de posturas contraídas, que resultem em dor, fadiga e declínio no desempenho profissional". Já nos Estados Unidos, utiliza-se com freqüência os termos "Cumulative Trauma Disorders" (CTD) e "Repetitive Trauma Disorders" (RTD) e são denominadas como "lesões do tecido mole devidas a movimentos e esforços repetitivos do corpo" (Armstrong, 1986).

ombros

Alguns autores contestam essa nomenclatura e Couto (1996), afirma que L.E.R. é um termo superado, usado apenas pela Austrália e Brasil. O mais correto seria "Síndrome Dolorosa nos Membros Superiores de Origem Ocupacional", pois esta é uma denominação que segue uma construção mais específica da doença.

O Japão um dos primeiros países a dar a devida importância e reconhecer as Lesões por Esforços Repetitivos (L.E.R.) como um distúrbio músculo-esquelético decorrente do trabalho e de origem multicausal, já na década de 60. Este interesse surgiu em virtude da alta incidência de distúrbios cérvicobraquiais em perfuradores de cartão, operadores de caixa registradora e datilógrafos. No intuito de estudar esse problema, criou-se então, o Comitê da Associação Japonesa de Saúde Ocupacional (ibidem).

computador

No Brasil, até a década de 80, a L.E.R. era conhecida como "doença dos digitadores", devido aos primeiros casos de tenossinovite terem sido diagnosticados em digitadores (Sato et al, 1993). Em virtude do acometimento de outras categorias profissionais, hoje a L.E.R. já é considerada um problema de saúde pública. Desta forma, não somente os digitadores são considerados categorias profissionais com risco de desenvolver a doença, como também as formas clínicas da L.E.R. abrangem mais patologias do que apenas a tenossinovite.

As L.E.R.s são consideradas como acidente de trabalho, pois de acordo com o §2º, art. 132 do Decreto Nº2.172 de 05/06/97, "constatando-se que a doença resultou de condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a previdência social deve equipará-la a acidente de trabalho". Neste contexto, a empresa ou órgão competente, ficam obrigados a emitir a CAT (comunicação de acidente de trabalho), quando da ocorrência do acidente de trabalho, no caso, as L.E.R.s, conforme art. 134 do Decreto Nº2.172 de 05/06/97 (DOU, 06/03/97).

Sorock & Courtney (1996) consideram que os fatores de trabalho como: excessiva exposição a movimentos repetitivos por demanda da tarefa; posturas incorretas; emprego de força; baixa temperatura; vibração e fatores psicossociais como o estresse, estão intimamente relacionados aos distúrbios músculo-esqueléticos em grupos ocupacionais expostos a essas situações de trabalho.

L.E.R.

Upfal (1994) também considera que os fatores de risco para o aparecimento da L.E.R. incluem movimentos repetitivos (repetição de tarefas por muitas horas), movimentos fortes (como agarrar ou apertar), posturas estressantes (desvio lateral do punho, extensão do pescoço), impacto mecânico de tecidos moles (bordos de ferramentas que pressionam a palma da mão), vibração e ocasionalmente, baixas temperaturas. Attaran (1996) afirma ainda que a L.E.R. é causada por ambientes de trabalho pobremente projetados que não contemplam uma relação harmônica entre homem e trabalho.

De acordo com Higgs & Mackinnon (1995) a manutenção de posturas anormais são as principais causas de L.E.R. por provocarem desequilíbrio muscular e compressão dos nervos. Relatam que se certos grupos musculares são subutilizados, há indicação de que outros estão sofrendo de sobreuso, sendo que esta situação leva a um ciclo vicioso postural e do equilíbrio muscular. Certas posições também aumentam a pressão ao redor do nervo ou o distendem, podendo levar a uma condição crônica de compressão.

musculos

Guidotti (1992) lista os tipos de L.E.R. mais comumente encontrados: no pescoço refere-se à síndrome tensional do pescoço e à síndrome cervical; nos ombros cita a síndrome do desfiladeiro torácico, a tendinite biciptal, a tendinite do supraespinhoso, a capsulite adesiva e a síndrome acrômio-clavicular; e no cotovelo, punho e mão cita a epicondilite, a tenossinovite de De Quervain, a síndrome do túnel do carpo e a compressão do nervo ulnar.

Oliveira (1991) afirma que o quadro sintomatológico da L.E.R. é muitas vezes complexo e de difícil identificação, pois o paciente pode não apresentar nenhum sinal físico inicialmente, mas suas queixas são persistentes e sempre relacionadas com a massa muscular envolvida em tensão estática, em decorrência de posição forçada ou viciosa ou mais utilizada no exercício da função. Em vista disso, Guidotti (1992) conclui que o diagnóstico da L.E.R. é sugerido por dor músculo-esquelética persistente e recorrente dentro de seis semanas, sem causa traumática imediata e influenciada por situação de trabalho. O próprio INSS (1993), expõe que a caracterização da L.E.R. não depende de dados laboratorias, mas apenas da correlação entre a lesão e o exercício do trabalho.

No Brasil, apesar de haver um guia para o reconhecimento da incapacidade provocada pela L.E.R. (INSS, 1993), é difícil estipular verdadeiramente em que grau de comprometimento encontra-se o doente, visto que a problemática relacionada ao diagnóstico é complexa e envolve a credibilidade em dados peculiares e intrínsecos do próprio paciente.

Um agravante é que sendo a dor a principal queixa, e o paradigma do diagnóstico ser baseado quase que unicamente em dados objetivos que possibilitem a visualização da lesão, este torna-se mais complicado ainda em virtude de não haver exames que meçam a dor objetivamente e tornem visível este sintoma. Sendo assim, o diagnóstico baseado não apenas em esquemas visuais, mas também na análise do trabalho, na própria queixa do trabalhador e no bom senso médico é vital para o diagnóstico precoce e para evitar o agravamento da lesão.

Outro aspecto relevante é que muitos trabalhadores não têm acesso às informações sobre as conseqüências do trabalho repetitivo para a saúde, sendo assim, desconhecem a origem da dor, retardando a ajuda médica. Isso pode trazer conseqüências negativas para o tratamento da L.E.R., pois as microlesões continuadas tornam o grupo muscular susceptível a novas lesões, o que dá oportunidade ao quadro clínico de assumir um caráter extremamente recidivante e invalidante.

De acordo com Higgs & Mackinnon (1995), apesar de quase duas décadas de estudos, a L.E.R., continua sendo o maior e o mais freqüente problema das extremidades superiores relativo ao trabalho.

Causas da Doença

Em revisão mais recente, Pereira & Lech (1997), baseados nos fatores biomecânicos, organizacionais e psicossociais, listam as variáveis contributivas mais importantes na origem da L.E.R., a saber:

  1. Força
  2. Repetitividade
  3. Posturas viciosas dos membros superiores: principalmente as de contração muscular constante.
  4. Compressão mecânica dos nervos por posturas ou mobiliário.
  5. Vibração: pode gerar microtraumas.
  6. Frio: pela vasoconstrição que pode levar à déficit circulatório.
  7. Sexo: maior incidência em mulheres.
  8. Posturas estáticas do corpo durante o trabalho: durante a contração estática o suprimento sangüíneo para o músculo fica prejudicado, podendo favorecer a produção de ácido láctico que é capaz de estimular os receptores da dor, desencadeando-a, mantendo-a ou agravando-a.
  9. Tensão no trabalho: exigências de produtividade e de ritmo de trabalho podem aumentar a tensão muscular, prejudicando a nutrição sangüínea dos músculos com possibilidade de ocorrência de dor muscular, fadiga e predisposição à L.E.R.
  10. Desprazer: o sentir prazer desencadeia a liberação de endorfina (analgésico interno), devido a isso, pessoas insatisfeitas no trabalho podem ter maior tendência a sentir dor do que as que trabalham prazerosamente.
  11. Traumatismos anteriores predispõem o indivíduo à L.E.R. e são fatores importantes na sua incidência.
  12. Atividades anteriores: pelo fato da L.E.R. ser causada por traumas cumulativos é necessário a análise da atividade exercida anteriormente e
  13. Perfil psicológico: as pessoas de personalidades tensas, as negativistas e as que não toleram trabalho repetitivo são mais predispostas a L.E.R.

Entretanto, quanto ao estabelecimento da atividade causal da lesão, diversos autores (Armstrong,1986; Upfal, 1994; Assunção, 1995; Higgs & Mackinnon, 1995; Attaran, 1996) relatam que há uma íntima relação dos distúrbios de origem ocupacional que atingem as extremidades (L.E.R.) com a inadequação do trabalho ao ser humano que trabalha. Essa questão se fortalece se levarmos em conta que o homem passa quase três/quartos de sua vida trabalhando, e que as exigências da produtividade somam-se a muitas condições de trabalho desfavoráveis.

O caso do corte da cana

Em relação à incidência por grupos de pessoas, estudos realizados por Sato et al (1993), mostram a ocorrência de maior acometimento de L.E.R. nas mulheres; trabalhadores em idade produtiva entre 18 e 25 anos; em atividades do setor bancário, prestação de serviços, bem como de metalurgia. Mas também ocorrem na agricultura. Relatamos abaixo, como exemplo, o caso do corte manual da cana-de-açúcar.

O desenvolvimento da L.E.R. em algumas categorias profissionais tem relação com os estudos científicos de Armstrong (apud Oliveira, 1991), o qual demonstrou que o risco de tendinite de mãos e punhos em pessoas que executam tarefas altamente repetitivas e forçadas é 29 vezes maior do que em pessoas que executam tarefas lentas, pouco repetitivas e forçadas.

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A postura corporal do cortador de cana é de constante flexão de tronco, e intensa utilização da musculatura dos braços e punho. A contração abrupta e desordenada das grandes massas musculares podem originar forças de grandes intensidades que causam lesões nas estruturas do corpo, levando ao aparecimento de dores e conseqüentemente inflamações que levam o funcionário a adoecer ( Procana.com).

O conjunto de medidas como o uso dos equipamentos de proteção, alimentação no campo, alojamentos em condições favoráveis, higiene, participação dos resultados e ginástica laboral fazem do cortador de cana um funcionário motivado para desenvolver sua função, com isso melhorando a qualidade da mão de obra e do produto.

Tratamento da L.E.R.

A conduta de tratamento da L.E.R. depende do estágio da doença, e quanto mais cedo for feito o diagnóstico e a intervenção, menos invasivo será o tratamento. Hoefel (1995) ressalta que essa doença é preocupante pois o tratamento dificilmente tem resultado após a sua cronicidade, que ocorre pelas recidivas dos episódios de retorno ao trabalho do empregado, o qual se expõe novamente aos mesmos riscos ocupacionais que a determinaram.

exercício

O objetivo fundamental do plano de tratamento é eliminar ou minimizar a intensidade dos fatores físicos que causaram ou agravam a L.E.R., pois uma vez eliminados, dão lugar ao processo natural de recuperação do organismo. Este, freqüentemente, requer longo período, durante o qual deve haver restrições à atividade normal. Geralmente o tratamento envolve uma combinação de métodos conservadores, como medicamentos e terapia física. Quando estes métodos não apresentam resultados positivos, a conduta provavelmente é cirúrgica (Higgs & Mackinnon, 1995).

Inicialmente, qualquer que seja o método, este requer a educação do doente quanto às posturas a serem adotadas tanto nas atividades de trabalho como nas de não-trabalho. Esta proposta surge na tentativa de evitar maiores danos e diminuir os já instalados. A restrição de m ovimentos e o repouso da região afetada são critérios importantes que devem ser obedecidos, pois trata-se da primeira e talvez da mais importante conduta para o portador de L.E.R. A imobilização, quando necessária, é feita através do uso de splints ou talas que mantém as articulações em posição neutra, minimizando desse modo, o estresse local e prevenindo traumas adicionais.

Além da imobilização e repouso, pode-se também lançar mão do uso do calor e do gelo para alívio da dor; e da compressão e elevação para melhor drenar o edema local, quando este se fizer presente. Entretanto, podem ser utilizados outros métodos de tratamento fisioterápico, sendo que a finalidade sempre será de reduzir a dor, o edema e a inflamação, proporcionando assim uma situação em que se possa normalizar a força muscular e o retorno às atividades, quando possível. Quanto ao tratamento medicamentoso, este inclui a prescrição de drogas com potentes efeitos antiinflamatórios mas que, eventualmente, podem levar à irritação gástrica, o que pode restringir seu uso àqueles doentes que não têm problemas gástricos ou os têm em pequena proporção. Neste caso, é necessário o uso adicional de medicamentos antiácidos. Este método de tratamento é importante porque não reduz somente a dor, mas também reduz a inflamação (Upfal, 1994).

Assunção (1995) também recomenda o afastamento temporário do trabalho para o sucesso terapêutico e relata que o tratamento deve obedecer 5 fases de acordo com a sintomatologia da L.E.R.

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Além dos métodos de tratamento citados, existe uma grande variedade de recursos alternativos para a L.E.R. como é o caso da yoga. Fildes (apud Assunção, 1995) ainda cita a naturopatia e o taichi, além da acupuntura, como terapias não convencionais que mostram-se úteis para o alívio da dor por curtos períodos. Especificamente quanto à acupuntura, este método proporciona resultados favoráveis no alívio da dor, e seu uso pode fazer parte do conjunto de medidas de tratamento. Além disso, técnicas de relaxamento e reeducação postural global estão sendo empregadas com sucesso (Luduvig, 1996).

Com relação a ginástica laboral, o principal objetivo é preparar o corpo para trabalhar, é prevenir o aparecimento de lesões músculo-ligamentares, diminuindo os acidentes de trabalho causados pelos movimentos repetitivos e posturas inadequadas, diminuindo o absenteísmo e custos com atestados médicos, minimizando custos trabalhistas e melhorando a imagem da empresa no que se refere a qualidade de vida.

Para evitar a L.E.R., pois por sua natureza conduz a quadros agravantes, a conduta mais efetiva continua sendo a prevenção. Mudanças de natureza ergonômica, organizacional e comportamental podem reduzir ou eliminar a ação ofensiva, pois segundo Thompson & Phelps (1990), a prevenção diminui mais a incidência de L.E.R. do que o tratamento médico.



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